Imagem: Getty Images
Você já mordeu um biscoito "sabor chocolate" achando que estava se deliciando com um doce divino, mas sentiu algo diferente? Pois é. Essa diferença tem nome, rótulo e consequências.
Produtos que trazem na embalagem a expressão "sabor chocolate" não estão mentindo, mas para muitos consumidores a completa verdade passa despercebida. Eles imitam o sabor, mas passam longe do chocolate de verdade —aquele com pelo menos 25% de sólidos de cacau, como manda a lei. E o que costuma entrar no lugar do cacau? Aromatizantes, corantes e gordura vegetal.
Sabor é uma coisa, chocolate é outra
De acordo com a RDC nº 723/2022, da Anvisa, um produto só pode ser considerado chocolate se tiver, no mínimo, 25% de sólidos de cacau. No caso do chocolate branco, deve ter, ao menos, 20% de sólidos de manteiga de cacau. Já os produtos "sabor chocolate" não alcançam esse percentual mínimo ou podem nem mesmo ter qualquer traço de cacau.
"Eles são uma imitação barata de chocolate, porque contêm um percentual ínfimo de cacau, geralmente de péssima qualidade, ou nem isso", explica Paola Romanova, gastrônoma, pesquisadora e mestranda em gastronomia na UFC (Universidade Federal do Ceará).
Segundo Ana Carolina Chaves, engenheira de alimentos da Embrapa, com pós-doutorado em ciência e tecnologia de alimentos, no lugar do cacau costumam ser usados:
- aromatizantes e saborizantes naturais ou artificiais para simular o aroma e o sabor do chocolate;
- gordura vegetal no lugar da manteiga de cacau;
- corantes e outros aditivos para reproduzir a aparência e textura.
- Alguns podem usar uma pequena quantidade de pó de cacau desengordurado.
"Produtos com 'sabor de chocolate' não apresentam as mesmas características sensoriais complexas do chocolate, como o derretimento característico e a liberação gradual dos compostos voláteis", ressalta.
A engenheira de alimentos explica que o chocolate possui propriedades físico-químicas e sensoriais específicas, como textura, brilho, ponto de fusão adequado ao paladar (próximo à temperatura corporal), além de um perfil de liberação de compostos aromáticos único, sendo impossíveis de se reproduzir perfeitamente.
Diferenças vão além do sabor
"Os produtos 'sabor chocolate' geralmente têm altas quantidades de gordura vegetal e açúcares refinados, que aumentam o valor calórico", alerta Jefferson Jorge David de Brito, nutricionista da Clínica CliNutri, especialista em emagrecimento e hipertrofia. Segundo ele, o consumo frequente e excessivo desses produtos está associado a um risco aumentado de:
- Obesidade, diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares, devido ao alto teor de açúcares livres e gorduras saturadas.
- Desequilíbrio na microbiota intestinal, influenciado por aditivos como emulsificantes e corantes.
- Exposição cumulativa a aditivos alimentares, que podem ter efeitos inflamatórios ou interferir em mecanismos metabólicos.
Para Romanova, a questão principal nem são as calorias, mas o fato de elas serem vazias. "Chocolates verdadeiros, sobretudo aqueles com alto percentual de cacau, embora possuam algum açúcar adicionado e gorduras saturadas que são intrínsecas, possuem uma série de compostos antioxidantes como flavonoides e polifenois, que fazem muito bem à saúde se consumidos com parcimônia. Esses compostos, no entanto, são nulos nas imitações", diz.
A gastrônoma, que pesquisa chocolates artesanais, ainda levanta outra questão. "Acho que pouco se fala do corante caramelo IV, que é um aditivo e está presente em diversos alimentos. Ele foi reconhecido como potencialmente cancerígeno pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC), que faz parte da OMS, e é utilizado em produtos 'sabor chocolate' para mimetizar a cor escura característica do cacau. Em muitos casos, se ele não fosse adicionado, o consumidor jamais compraria aquele produto porque não reconheceria que ele supostamente possui 'chocolate'", alerta.
O corante caramelo IV está presente em muitos dos produtos sabor chocolate para trazer a cor característica do chocolate.
Imagem: Léo Marques.
Em nota, a Abia (Associação Brasileira da Industria de alimentos) diz que "não há qualquer irregularidade ou risco à saúde do consumidor [nos produtos sabor chocolate], uma vez que os aromas utilizados passam por rigorosas avaliações de segurança por órgãos internacionais como o JECFA (FAO/OMS) [Comitê Misto FAO/OMS de Especialistas em Aditivos Alimentares], além da própria Anvisa no Brasil".
Também em nota para VivaBem, a Anvisa diz que a ingestão diária aceitável (IDA) para o corante caramelo IV é de 200 mg por quilo de peso corpóreo, estabelecida pelo JECFA - Comitê de Especialistas da FAO/OMS em Aditivos Alimentares. "O estabelecimento da IDA foi baseado nos resultados de estudos de carcinogenicidade com a substância conduzidos em ratos e camundongos e não foram observadas alterações neoplásicas relacionadas ao tratamento com o corante caramelo IV", argumenta o órgão.
A IDA é a quantidade estimada do aditivo alimentar, expressa em miligrama por quilo de peso corpóreo, que pode ser ingerida diariamente, durante toda a vida, sem oferecer risco à saúde, à luz dos conhecimentos científicos disponíveis na época da avaliação.
Na Instrução Normativa 211/2023, a Anvisa estabelece que o caramelo IV deve ser usado na menor quantidade possível para alcançar o efeito tecnológico desejado em se tratando de produtos de panificadora, biscoitos e confeitaria (sobremesa, bombons, balas, etc) —onde normalmente estão alimentos "sabor chocolate".
Atenção ao rótulo
Biscoito Bauducco sabor chocolate - Imagem: Reprodução
A Anvisa explica ainda que o uso da expressão "sabor" está regulamentado pelo Decreto-Lei nº 986/1969 e visa alertar os consumidores sobre o uso de aromatizantes em alimentos. Quando um produto não contém chocolate, a expressão "sabor chocolate", portanto, é obrigada a estar estampada no rótulo. Muitas vezes o consumidor desatento acaba se guiando pelas sugestivas ilustrações que lembram chocolate, mas é importante prestar atenção.
A própria Abia alerta que não é permitida, nesses casos, a exibição de imagens do ingrediente que caracteriza o sabor, como pedaços de chocolate. Além disso, de acordo com o Decreto-Lei, a expressão deve ser acompanhada da frase "contém aromatizante", se contiver essências naturais, ou "aromatizado artificialmente" quando for usado aroma artificial.
"A Abia orienta que todas as empresas associadas sigam rigorosamente as normas de rotulagem e assegurem que as informações prestadas ao consumidor sejam claras, corretas e transparentes", diz em nota.
No entanto, Brito chama atenção para que o consumidor também avalie a lista de ingredientes, que está em ordem decrescente (os primeiros conteúdos estão sempre em maior quantidade). Se começar com açúcar, gordura vegetal e aromatizante de chocolate, é bem provável que você esteja diante de um produto que só lembra chocolate.
"Produtos com chocolate verdadeiro devem trazer manteiga de cacau, massa de cacau ou cacau em pó logo nos primeiros ingredientes", ressalta o nutricionista, que sugere como uma importante melhoria se as embalagens estampassem com destaque o termo "sabor chocolate", além de indicar o percentual de cacau de forma clara. A Anvisa ressalta ainda em nota que não é autorizado o uso de aroma de cacau ou chocolate no produto denominado de chocolate.
O que leva uma indústria a abrir mão do cacau?
A resposta da Abia para a questão é pragmática: custos do insumo, preferências de mercado, atendimento a nichos específicos de consumo e poder de compra do consumidor. "Cada companhia define seu portfólio com base nesses fatores, buscando equilibrar qualidade, competitividade e viabilidade econômica", justifica.
Nos últimos anos, o cacau tem vivido uma escalada global de preços, o que tem feito muitas empresas o substituírem (em parte ou totalmente) por ingredientes mais baratos, o que permite que elas consigam manter os preços mais acessíveis para o bolso do consumidor médio.
"No fim, é uma escolha do consumidor. Ele entendendo que aquilo não tem conteúdo de chocolate ou conteúdo de cacau, pode fazer uma escolha mais balizada", salienta Tuta Aquino, presidente da Associação Bean to Bar Brasil. Ele ressalta que o consumidor precisa entender quais são os diferenciais de um chocolate de qualidade, mesmo os industriais ou os artesanais bean to bar (do grão à barra).
Então, da próxima vez que encontrar um produto "sabor chocolate", saiba: ele pode até lembrar o doce original, mas é apenas uma sombra artificial dele. O verdadeiro chocolate é mais caro —e mais complexo—, mas também é mais nutritivo e saboroso.
Outra fonte consultada: Abicab (Associação Brasileira da Indústria de Chocolates, Amendoim e Balas).
Revisão técnica: Ana Carolina Chaves, engenheira de alimentos da Embrapa, com pós-doutorado em ciência e tecnologia de alimentos.
A Anvisa explica ainda que o uso da expressão "sabor" está regulamentado pelo Decreto-Lei nº 986/1969 e visa alertar os consumidores sobre o uso de aromatizantes em alimentos. Quando um produto não contém chocolate, a expressão "sabor chocolate", portanto, é obrigada a estar estampada no rótulo. Muitas vezes o consumidor desatento acaba se guiando pelas sugestivas ilustrações que lembram chocolate, mas é importante prestar atenção.
A própria Abia alerta que não é permitida, nesses casos, a exibição de imagens do ingrediente que caracteriza o sabor, como pedaços de chocolate. Além disso, de acordo com o Decreto-Lei, a expressão deve ser acompanhada da frase "contém aromatizante", se contiver essências naturais, ou "aromatizado artificialmente" quando for usado aroma artificial.
"A Abia orienta que todas as empresas associadas sigam rigorosamente as normas de rotulagem e assegurem que as informações prestadas ao consumidor sejam claras, corretas e transparentes", diz em nota.
No entanto, Brito chama atenção para que o consumidor também avalie a lista de ingredientes, que está em ordem decrescente (os primeiros conteúdos estão sempre em maior quantidade). Se começar com açúcar, gordura vegetal e aromatizante de chocolate, é bem provável que você esteja diante de um produto que só lembra chocolate.
"Produtos com chocolate verdadeiro devem trazer manteiga de cacau, massa de cacau ou cacau em pó logo nos primeiros ingredientes", ressalta o nutricionista, que sugere como uma importante melhoria se as embalagens estampassem com destaque o termo "sabor chocolate", além de indicar o percentual de cacau de forma clara. A Anvisa ressalta ainda em nota que não é autorizado o uso de aroma de cacau ou chocolate no produto denominado de chocolate.
O que leva uma indústria a abrir mão do cacau?
A resposta da Abia para a questão é pragmática: custos do insumo, preferências de mercado, atendimento a nichos específicos de consumo e poder de compra do consumidor. "Cada companhia define seu portfólio com base nesses fatores, buscando equilibrar qualidade, competitividade e viabilidade econômica", justifica.
Nos últimos anos, o cacau tem vivido uma escalada global de preços, o que tem feito muitas empresas o substituírem (em parte ou totalmente) por ingredientes mais baratos, o que permite que elas consigam manter os preços mais acessíveis para o bolso do consumidor médio.
"No fim, é uma escolha do consumidor. Ele entendendo que aquilo não tem conteúdo de chocolate ou conteúdo de cacau, pode fazer uma escolha mais balizada", salienta Tuta Aquino, presidente da Associação Bean to Bar Brasil. Ele ressalta que o consumidor precisa entender quais são os diferenciais de um chocolate de qualidade, mesmo os industriais ou os artesanais bean to bar (do grão à barra).
Então, da próxima vez que encontrar um produto "sabor chocolate", saiba: ele pode até lembrar o doce original, mas é apenas uma sombra artificial dele. O verdadeiro chocolate é mais caro —e mais complexo—, mas também é mais nutritivo e saboroso.
Outra fonte consultada: Abicab (Associação Brasileira da Indústria de Chocolates, Amendoim e Balas).
Revisão técnica: Ana Carolina Chaves, engenheira de alimentos da Embrapa, com pós-doutorado em ciência e tecnologia de alimentos.
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